
“Os consumidores têm o poder na mão.” entrevista à Inês Pascoal sobre proteção ambiental
A busca de soluções que auxiliem a proteção ambiental é algo que nunca deve sair da nossa cabeça. É por isso que, neste dia 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente, decidimos entrevistar a Inês. A Inês é uma jovem ativista pelas causas ambientais – fez voluntariado internacional na Grécia através da Mais Cidadania, e desde aí que seguimos ativamente as suas ideias e ações em prol de um planeta mais sustentável.
Fotografia de capa: Inês Pascoal, fotografia de Raul Pinto.
Este é um Dia Mundial do Ambiente muito particular pois estamos fechados em casa e a realização de manifestações não é aconselhada. Ainda assim, o que podemos fazer para ajudar a causa e o ambiente a partir de casa?
Bem, para começar, o ambiente não deve ser algo a proteger apenas no Dia Mundial do Ambiente. A celebração deste tipo de dias temáticos serve para lembrarmos às pessoas que devem fazer algo, e isso é ótimo para percebermos que não estamos sozinhos e que são várias pessoas que exigem um ambiente melhor.
A celebração em si pode ser feita em grupo como uma manifestação na rua, ou em casa assistindo a um webinar. Mas também pode ser algo que fazemos de forma individual, diariamente.
Por acaso, tenho conhecimento de uma manifestação que irá decorrer dia 6, “Resgatar o Futuro, Não o Lucro” (www.facebook.com/events/895749954222355/) na qual estarão presentes algumas organizações da área do ambiente, e não só.

O Covid veio mostrar que os webinars podem ser uma ótima ferramenta para passar uma mensagem, com custos reduzidos e poupando imenso tempo nas deslocações, as quais antes do Covid seriam necessárias para chegar ao local das conferências ou encontros.
O que podemos fazer a partir de casa, com ou sem Covid, sendo dia do ambiente ou não, é sermos mais conscientes das nossas ações, tentando reduzir a nossa pegada ecológica ao nível da poupança energética, da água, da produção de resíduos. Ou seja, de vez em quando devemos parar e questionarmo-nos:
- Como posso reduzir os resíduos que produzo?
- Como posso reduzir o meu consumo de água?
- Como posso reduzir o meu consumo energético?
Para estas questões existem imensas respostas que podem ir de gestos mais pequenos a práticas e hábitos mais abrangentes. Eu posso tomar banhos mais rápidos para poupar água, posso desligar as luzes quando não estou a utilizar esse espaço, posso usar uma garrafa reutilizável para beber água e poupar plástico. Estas e outras pequenas alterações eu diria que são as micro ações que podemos fazer e que podem começar já hoje. Depois há alterações que requerem outro tipo de disponibilidade da nossa parte, como mudar de meio de transporte para deixar de depender de combustíveis fósseis. Aí já requer algum tipo de know-how ou conhecimento – qual a melhor bicicleta para mim, qual o melhor caminho para ir para o trabalho, etc.
Há ainda um nível superior, que é o de nos juntarmos a um associação ou partido político de modo a conseguirmos levar a nossa agenda a ainda mais pessoas, e assim beneficiar o ambiente dessa forma.
O momento de ir às compras também é muito importante, certo? Que preocupações devemos ter?
Em termos ambientais, acredito que ir às compras é o momento no qual devemos realmente dedicar algum tempo para perceber o que estamos a fazer. O que é complicado, nesta rotina urbana, pois “dedicar tempo” não é algo que se tenha em abundância. Ao escolhermos e adquirirmos um produto estamos a definir aquilo que exigimos das empresas, dos produtores, e mesmo da própria legislação e para onde são canalizados os apoios monetários. Tudo aquilo que compramos tem um impacto no ambiente: gasto de água, de energia, adição de químicos sintéticos no sistema natural, produção de resíduos… É muito importante ler os rótulos e as etiquetas.
Por exemplo, quando compro um produto que tem madeira ou papel certificado FSC, essa certificação diz-me que as florestas de onde provêm são sustentáveis. Quando compro um alimento biológico (com aquele símbolo das folhas verdes) sei que o sistema de produção agrícola é muito mais ecológico. Eu pessoalmente dou algum valor a este tipo de informação que vem nas compras que faço e muitas vezes dizem-me “Ah, e como tens a garantia que essa empresa fez mesmo dessa forma, e não está a aldrabar o sistema?” Bem, sendo que todas as empresas são geridas por pessoas, há esse risco. Mas tanto existe o risco numa empresa que se diz amiga do ambiente como numa empresa que não diz nada. Eu pessoalmente prefiro pagar o extra da certificação, que normalmente se reflete no valor do produto, pois mesmo que a empresa ainda não esteja a fazer as técnicas que diz, eu enquanto consumidora estou a transmitir à empresa e ao governo que quero ter produtos amigos do ambiente.
Os consumidores têm o poder na mão. Se, no próximo mês, todas as pessoas deixassem de comprar fruta embalada em esferovite, as empresas iriam mudar o embalamento. Todas as pessoas sabem que utilizamos plástico em demasia, e dizem que têm de ser as empresas a parar de produzi-lo. E que tal se deixarmos de comprar esses produtos e passarmos a comprar a granel, levando os nossos sacos e recipientes de casa?
Outra questão que devemos ter em atenção é o preço. Comprar uma t-shirt de 2€ significa que estamos a apoiar determinado tipo de economia que muitas vezes não beneficia os produtores ou agricultores. Porque é que as maçãs do Perú são mais baratas que as maçãs do Oeste? Onde está refletido o custo do avião e da poluição que causa? Qual o salário que os agricultores estarão a receber do outro lado do mundo para eu poder pagar menos pela minha comida? São algumas questões sobre as quais podemos refletir.

Antes de comprarmos algo, devemos perguntar-nos:
1º – preciso mesmo de comprar isto? (reduzir)
2º – qual o produto que me irá durar mais tempo? O dinheiro extra que vou pagar compensa os anos de vida extra do produto?
3º – posso ir a um mercado de reparação ou de trocas, para não ter de comprar novo?
O confinamento e a diminuição da poluição trouxeram uma imagem otimista: que é possível a natureza regenerar. Como é que assististe a estes casos?
Temos de distinguir diferentes tipos de poluição. A poluição atmosférica diminuiu significativamente, pela redução do tráfego automóvel nas cidades, porque as pessoas ficaram maioritariamente a trabalhar nas suas casas e a passear pelos seus bairros.
Já com a produção de resíduos, não é tão linear. Em Lisboa, por exemplo, deixou de se fazer a separação de resíduos. Para além disso, facilmente se observam máscaras ou luvas descartáveis abandonadas na rua. Com medo da propagação do vírus, muitas pessoas voltaram à aquisição de produtos embalados em vez de produtos a granel. Também aposto que os recipientes de utilização única dos Uber Eats devem ter aumentado significativamente, pois as pessoas presas em casa passaram a utilizar mais este tipo de serviço, de comida pronta que é levada à porta de casa. Pode ser muito cómodo, mas será que o devemos fazer com regularidade?

Há quem diga que a vida nunca vai voltar ao “normal”, e que isso pode ser uma oportunidade tomarmos decisões amigas do ambiente. Quais achas que vão ser as alterações principais daqui para a frente?
Alteração de hábitos profissionais. Muitos dos trabalhos, reuniões, aulas e conferências que se realizam diariamente podem ser feitos a partir de casa – o teletrabalho, as telereuniões, e inclusivamente as teleconferências, que podem evitar muitas viagens de avião. Evitando viagens, evita-se poluição atmosférica, ganha-se tempo e qualidade de vida. Os horários nos locais de trabalho podem também ser desfasados para evitar as grandes aglomerações nos transportes públicos nas horas de ponta.
Mas também há o receio de se começarem a realizar atividades menos humanas, como assistir a espetáculos dentro de carros. Espero que as pessoas percebam o quão antinatural isso é.
Aqui em Lisboa foram realizadas algumas ações no âmbito da Lisboa Capital Verde Europeia relacionadas com a oferta de transportes públicos e de mobilidade sustentável. Achas que as medidas tomadas são suficientes ou serão apenas manobras para dar boa imagem?
Das melhores medidas que foram tomadas no último ano, a meu ver, foi a redução do valor dos passes mensais, para 40€, podendo circular por todos os concelhos da AML. Há que continuar a trabalhar neste aspeto, melhorando a qualidade do serviço (menos tempos de espera e aumentar os horários do serviço) e reduzindo ainda mais o custo mensal até a oferta ser gratuita. Se os transportes públicos fossem gratuitos, mais pessoas ainda iriam deixar o carro em casa.
No fim-de-semana passado fui com mais 3 amigos até à praia na Arrábida. Apanhámos o comboio Fertagus até Setúbal e fizemos o resto da ligação em bicicleta, que são 10km, faz-se bem em modo passeio. Acontece que com a questão do Covid estamos todos sem passe mensal. O custo por bilhete por viagem é superior a 3€ por pessoa. Nesse dia, o meu grupo pagou 24€ para utilizar o comboio, que é um transporte ecológico. Isto não é, de todo, um incentivo a quem normalmente não se desloca desta forma e pretende realizar um passeio. Os transportes públicos serem gratuitos para todas as pessoas seria uma ótima medida tanto para quem utiliza diariamente e como para quem utiliza esporadicamente. Não faz sentido as empresas de transportes continuarem a pagar a imensos revisores para andarem a verificar os títulos de transporte dos passageiros, é um trabalho que devia cair em desuso. Esse dinheiro podia ser investido na melhoria e qualidade do serviço.
Em relação aos modos ativos, ou seja, andar a pé e de bicicleta, falta infraestrutura de qualidade e segurança para as pessoas adotarem estas formas de deslocação. A bicicleta tem um potencial enorme para contribuir para a redução da poluição atmosférica na cidade, mas em Lisboa representa menos de 1% das deslocações efetuadas. A Câmara Municipal de Lisboa anunciou dia 3 o pacote de medidas com as ciclovias que pretende construir nos próximos tempos. Desta forma, criando uma rede conectada de estradas para bicicletas, mais pessoas irão aderir a este meio de deslocação.
Este é um desafio tão grande que apenas todos juntos vamos conseguir ser bem-sucedidos. Achas que a maior responsabilidade está nas instituições e empresas ou nas pessoas? Quem é que achas que mais está a ficar atrasado nas suas responsabilidades?
Acho que, acima de tudo, tem de haver uma legislação que tenha em consideração as questões ambientais. Já temos conhecimento suficiente para saber o que é preciso mudar para proteger o planeta. Há alguma desconexão entre pessoas e profissões: o conhecimento dos problemas ambientais e soluções está com os ambientalistas, enquanto os economistas querem ver dinheiro e lucro. Já os médicos querem uma cura rápida, enquanto os engenheiros querem apenas fazer a obra e o agricultor quer conseguir escoar a sua produção para o mercado… E falta toda uma ligação entre sectores.
Uma agricultura mais sustentável vai levar a alimentos de qualidade e à preservação do solo, o que melhora a saúde das pessoas e a biodiversidade, havendo menos recurso a medicamentos e a uma maior proteção das plantas e dos animais. Mas o agricultor só queria vender batatas. Com cidades feitas para pessoas, com passeios para caminhar e ciclovias para bicicletas, a saúde das pessoas melhorará e haverá menos recurso a medicamentos. Portanto, todas estas áreas estão interligadas, e as decisões deviam passar por grupos de trabalho heterogéneos.
O que acaba por acontecer é que as propostas de lei para melhorar uma questão ambiental são uma guerra de partidos políticos para ver quem fica à frente nas próximas eleições. É o que temos em Portugal, somos governados desta forma – é uma guerra política. Trabalhar em conjunto, criar redes com diferentes tipos de pessoas, de pessoas para pessoas, seria muito mais benéfico para as pessoas e o planeta.
Temos de ter uma visão mais holística e articulada entre as pessoas e sectores, quebrar alguns estereótipos, falando e esclarecendo com quem faz de forma diferente da nossa, para perceber o seu ponto de vista.