
Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Étnico-Racial – Entrevista à Bé e à Inês
No âmbito do Dia Internacional Contra a Discriminação Étnico-Racial fomos falar com a Inês e a Bernardete, duas jovens que em 2020 decidiram fazer uma Campanha sobre o tema do Racismo para alertar para a sua importância.
Bernardete e Inês o que é que vos motivou a fazer uma Campanha sobre o Racismo? Porque é que escolheram o tema?
Inês: Nós escolhemos o tema do Racismo porque, na minha opinião, é um tema que é muito desvalorizado. A sociedade acha que é normal termos estes pensamentos racistas… Acho que somos todos iguais, temos todos os mesmos direitos, e não devemos ser criticados por sermos quem somos, o facto de eu ser negra, vermelha ou amarela não define aquilo que eu sou.
Bernardete: Na altura o tema do racismo estava a ser bastante falado por causa dos diversos casos que estavam a acontecer. E… Algo que eu pensava muito na altura era que estava muita gente a publicar, muita gente a dizer que não gostava, mas isso não ia mudar muito. Então pensei: bem eu não gosto, mas vou fazer alguma coisa! Foi-nos dada esta oportunidade de fazer a campanha e eu senti que era a oportunidade ideal para fazer alguma coisa para intervir. Por mínimo que o gesto seja, se conseguirmos com a nossa campanha mudar a mente de pelo menos uma pessoa que seja, e que por sua vez possa partilhar com outra, isso já é bom… é um processo… longo, mas que pode ter resultados.
Acham importante falar sobre Racismo com os jovens? Porquê?
Bernardete: Sim, acredito mesmo e acho que a mudança depende muito de nós jovens, pois vai influenciar na forma como vamos educar os nossos filhos.
Inês: Acho que é importante começar pelos jovens, quando tivermos filhos vai ser mais fácil para podermos educá-los de acordo com determinados valores e para que a mudança possa acontecer nas futuras gerações.

O que diriam às pessoas que acham que não há racismo em Portugal?
Bernardete: Eu considero que Portugal é um país racista, e obviamente que não é o único, existem outros países que também o são. Eu acho que, primeiro de tudo, se nós queremos alterar isso, é preciso saber admitir. E enquanto houver pessoas que têm esse pensamento… E se calhar as pessoas não se apercebem, se calhar existem comportamentos que para as pessoas são normais ou não têm aquele objetivo ou intenção. Eu ouvi há pouco tempo alguém que dizia “ser branco e viver num mundo racista é a mesma coisa quer ser homem e viver num mundo machista”. E essa frase ficou-me bastante na cabeça. E é verdade… Se calhar as pessoas que não sofrem desses preconceitos nem sempre reconhecem que estão num mundo racista.
Inês: Eu também concordo com a Bé… Eu acho que Portugal é um país racista porque às pessoas com etnias diferentes não são dados os mesmos direitos que às pessoas portuguesas. Por exemplo, no movimento “Portugal não é racista”, existem pessoas que dizem “ajudar” as pessoas de diferentes etnias, mas depois fora das fotos e das câmaras agem de forma completamente diferente e por vezes até maltratam essas pessoas. Uma vez também vi um vídeo em que um homem negro salvou um velhinho e foi julgado e muito criticado nas redes sociais. Isso afetou-me bastante, porque aposto que se fosse outra pessoa não seria criticado, mas como era negro… Ninguém pode elogiar pessoas de etnias diferentes. Então, acho que aí Portugal é mesmo um país racista.

Para vocês como é que seria um mundo onde não existisse discriminação étnico-racial?
Bernardete: Eu sinceramente de momento não consigo imaginar um mundo onde não exista discriminação. Mas penso muito num mundo onde haja pessoas que tentam controlar menos e que tentam pelo menos respeitar o outro independentemente da sua cor, etnia. Porque sinceramente, acho que do modo em que estamos, falta mesmo muito para a discriminação acabar. Por isso, acho que um mundo onde exista respeito já seria bom.
Inês: Eu também não penso no mundo sem discriminação, mas num mundo em que cada pessoa faça a diferença. Por exemplo, agora criaram aquele movimento #BlackLivesMatter e eu gostei muito desse movimento até perceber que as pessoas não estão ali para defender realmente as pessoas negras. Eu vi um vídeo em que um senhor foi falar com uma senhora negra e a maltratou e depois ia para as manifestações dizer que as vidas negras importam… Eu gostava de viver num mundo onde as pessoas fossem verdadeiras, aceitassem todos e que não houvesse desigualdades, independentemente das etnias. Nós somos todos seres humanos e nada pode mudar isso!
Gostariam de deixar uma mensagem às pessoas que nos seguem?
Bernardete: Eu queria deixar uma mensagem para qualquer pessoa que sofra de qualquer tipo de discriminação, que não deixem que lhes digam o que devem ou não devem fazer, que não se retraiam por medo de serem julgados.
Eu ontem fiz uma entrevista com uma pessoa portadora de deficiência e essa entrevista emocionou-me bastante porque essa pessoa já lidou com vários nãos na vida. E é o que acontece com várias pessoas na sociedade. E essa pessoa, mesmo lidado com vários nãos na vida, está no lugar que está.
Apesar de estarmos num país com várias situações, por mais difícil que seja, e sim não vou negar que não vai ser fácil, mas se nós conseguirmos lutar pelos nossos direitos, e temos o direito de lutar e esse direito ninguém nos pode tirar. Se lutarmos por aquilo que queremos, vamos sempre ser bem-sucedidos, de uma forma ou de outra. Portanto acho que é isso: não devem desistir daquilo que querem!
Inês: A mensagem que eu quero passar é que devíamos começar nós próprios a fazer a diferença, não esperar que existam manifestações para agirmos. Se virmos uma pessoa a sofrer discriminação, não podemos deixar isso passar. Não é gravar, pôr nas redes sociais e ir embora. Eu acho que deve começar a partir de nós, nós devemos mudar e devemos mesmo fazer a diferença!
Bernardete: Gostava de deixar ainda uma outra mensagem, sobre o preconceito. Informem-se antes de julgar alguém! Se calhar a pessoa que estão a julgar pode ter uma determinada aparência e se calhar está no topo, se calhar pode ter sacrificado de algo para ajudar o outro… Ninguém sabe da vida da pessoa, por isso é sempre importante informarmo-nos, por uma questão de respeito. O respeito é essencial.
Eu estive a falar isto tudo, mas não quer dizer que eu também não erre e não tenha pensamentos preconceituosos, penso que todos nós os temos. Mas isso não quer dizer que não devemos tentar mudar. E se calhar é informar-se, conhecer melhor e perguntar-se “porque é que eu não gosto daquela pessoa por causa da sua cor de pele? Porque é que tenho este tipo de pensamentos?” E se calhar olhando um pouco mais a fundo acaba por conseguir mudar.