
A importância da memória nos 75 anos da libertação de Auschwitz
Há 75 anos atrás, a 27 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho russo aproximava-se da vila de Oświęcim. Nas suas imediações encontrou o campo de concentração e extermínio de Auschwitz. Lá, aproximadamente 9000 prisioneiros tinham sido abandonados pelo exército nazi em fuga, demasiado doentes ou exaustos para fazerem a marcha forçada de fuga. Hoje celebra-se a libertação de Auschwitz – a maioria destes 9000 prisioneiros sobreviveram para contar a história.
O mesmo não aconteceu com as cerca de um milhão e cem mil pessoas que foram assassinadas durante os quatro anos anteriores. Mais de um milhão de vidas, o equivalente a quase 10% da população de Portugal. No entanto, Auschwitz foi apenas uma parte daquilo que se estava a desenrolar pela Europa, e sobrevive até hoje para contar a história do Holocausto, o assassínio de aproximadamente 17 milhões de pessoas: judeus, incapacitados, de etnia cigana, com défices cognitivos, homossexuais, pessoas com a nacionalidade “errada”. No fundo, todo o tipo de Seres Humanos que foram considerados inferiores aos olhos de outros humanos.

Fotografia de Jean Carlo Emer
O Holocausto, o genocídio cometido pelo regime da Alemanha Nazi do século passado, é o evento de assassínio em massa mais conhecido do mundo. É ensinado na escola, é falado nos media, é tido como exemplo para provar o carácter desumano e maléfico de Hitler.
Mas será que as pessoas realmente conhecem Auschwitz, o Holocausto e o contexto que levou à sua criação?
Em novembro de 1932, num mundo a recuperar da Grande Depressão, o partido Nacional Socialista venceu as eleições parlamentares alemãs. Sem maioria absoluta e sem capacidade para formar coligação com nenhum dos outros partidos, o presidente Paul von Hindenburg nomeia Hitler como chanceler do país devido a pressões dos seus concelheiros e de várias figuras influentes do país.
Atualmente, as pessoas lembram-se dos horrores do Holocausto e de Auschwitz. Atualmente, as pessoas não se lembram daquilo que permitiu Hitler ter o poder para originar esses horrores.
A divisão não tem origem num muro, numa fronteira ou num mar – tem origem no nosso íntimo. A divisão não se alimenta com diferenças de cor da pele, de orientação sexual ou de crença religiosa – alimenta-se com a nossa intolerância. E a divisão não se multiplica através de desemprego, insegurança ou crises económicas – multiplica-se através de desinformação.

Fotografia de Jean Carlo Emer
As distorções de realidade que se propagam atualmente através dos meios digitais são indubitavelmente o combustível que tem alimentado o aumento de extremismos na sociedade. Websites de propaganda a mascarar-se de informação, páginas em redes sociais a espalhar mentiras por verdades, perfis pessoais falsos a clamar manipulação por opinião. Por interesses políticos ou financeiros, esta realidade tem levado a uma polarização de posturas que seca o debate de ideias e o foco para o que realmente interessa. Agora, todas as temáticas são fraturantes, até aquelas que deveriam ser características de uma sociedade desenvolvida.
Os políticos aproveitam essa desinformação para se catapultarem para o mediatismo. Através do medo do desconhecido criam um inimigo artificial para dividir e conquistar a população. Nós contra eles. E isso, infelizmente, tem resultado. Vejamos Trump, Bolsonaro, Le Pen, Salvini, Orbán, Erdohan,
o Brexit, o Vox ou a AfD. Não é preciso passar a fronteira – vejamos André Ventura.

Fotografia de Severinus Dewantara
Hoje, 75 anos depois, a libertação de Auschwitz deve-nos alertar para esta realidade. Na Polónia, para marcar o Holocausto, um dos acontecimentos mais negros na história da humanidade, foi erguido o Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau. Memorial, porque uma das suas funções principais é a de nos lembrar do que aconteceu e, como o filósofo espanhol George Santayana disse, aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.
Devemo-nos lembrar de Auschwitz. Devemo-nos lembrar da sua libertação, mas devemo-nos lembrar sobretudo das razões da sua existência. Infelizmente, parece que muitas pessoas se estão a esquecer.
Vou acabar este texto com uma luz esperançosa – há uma forma de combater este movimento desumano. A verdadeira informação, o real, não a realidade de cada pessoa, é o verdadeiro inimigo dos extremismos. E, no que toca a relações humanas, para sermos conhecedores da verdade temos de ser empáticos. Temos de nos colocar na situação da outra pessoa e compreender a sua própria realidade, não apenas a nossa. Isso vai-nos levar à conclusão que não há nem nunca houve nós nem eles – há apenas Seres Humanos.
Hoje, vamos lembrar Auschwitz.
Telmo Romeu Simões